Pilha de ilusões
- © Lenise M. Resende -
- © Lenise M. Resende -
Aos sábados, mesmo que tenha algum compromisso e não possa
ler o jornal, separo o suplemento literário e guardo. Naquele sábado, quando o
exemplar chegou, foi com essa ideia que comecei a folheá-lo. Mas o título da
matéria de capa do suplemento me atraiu como um imã: Pilha de ilusões -
Desconhecidos aspirantes a autor abarrotam editoras com originais que mal são
lidos.
Abandonei a ideia de guardar o jornal e comecei,
imediatamente, a leitura do artigo. Logo de início o texto mexeu comigo: "Os
americanos chamam de slush pile (pilha de lama, na tradução literal). É a pilha
formada nas editoras pelos originais enviados todo dia por desconhecidos
aspirantes a escritor."
No restante do texto, a pilha de originais era tratada como
"pilha de ilusões", nome mais simpático que não disfarça a antipatia que um
amontoado de originais desperta em quem preferia não ter que lê-los. A mesma
antipatia que me despertou a foto de duas funcionárias de uma editora ao lado de
textos encadernados com espiral e empilhados no chão. Isso é o que se chama
levar uma tradução a sério - lugar de lama é no chão.
O mais interessante, é que o site da editora citada no artigo
tinha, naquela época, uma página intitulada "Tire suas dúvidas" e a pergunta
sobre publicação de novos autores era: "Sou autor. Escrevi um livro. Como faço
para que ele seja avaliado para publicação? - Resposta: Encaminhe os originais
pelo correio, aos cuidados do Departamento Editorial. Não esqueça de colocar
seus dados pessoais..." E a editora ainda dava o endereço para o envio dos
textos. Se não há intenção de avaliar ou publicar os chamados "originais não
solicitados", não seria mais adequado colocar no site da editora um aviso bem
claro a esse respeito? Algo do tipo: "Não avaliamos originais não
solicitados."
Segundo um amigo com quem comentei o assunto, esta atitude
das editoras não deve ser considerada como um estímulo para que desconhecidos
autores enviem seus escritos. Mas pode ser considerada estímulo para que um
escritor conhecido envie os seus. Certamente, o livro de alguém conhecido tem
mil vezes mais chances de venda, e por isso mesmo interessa mais a maioria das
editoras.
É claro e evidente que meu aborrecimento com essa matéria é
porque já enviei originais, pelo correio, para algumas editoras. É claro,
também, que primeiro pesquisei na internet qual a sua linha editorial e sua
disponibilidade em receber originais. Nem todas as editoras respondem, mas
algumas surpreendem com respostas elogiosas, mesmo não havendo intenção de
publicar o livro. Nesse último caso, o primeiro pensamento que me vem à mente é
que autor desconhecido não vende livro.
Diz o ditado popular: "Quando uma porta se fecha, há sempre
outra que se abre..." Para um escritor que busque o sucesso a internet pode ser
uma ótima porta. Ela leva o autor aos mais longínquos lugares. Porém, se além de
ser bem sucedido ele deseja ter êxito comercial, o melhor é buscar um meio de
ser "descoberto" pelos editores. Sem uma distribuidora ou uma livraria virtual,
fica mais difícil vender livros.
Existe uma crença de que tornar-se famoso na internet abre
caminhos reais. No entanto, é mais fácil ser famoso no mundo virtual quando se é
famoso no mundo real, e não o contrário. Sair no jornal ou na televisão abre
muitas portas, inclusive as literárias.
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Crônica literária (apresenta aspectos particulares de criação ou crítica
literária)
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