- © Lenise M. Resende -
Desde que você se entende por gente, gosta de ler e escrever. Tem até calo no dedo, por ficar horas escrevendo a lápis. Quando fez quarenta anos, começou a usar óculos, e se perguntou: - Será que passei tempo demais lendo? Mas, não faz mal, as crianças cresceram, estão independentes, posso escrever com mais frequência, e durante o dia. Vou assumir minha vocação!
Chega de ser poeta nas horas vagas ou nas horas de sono da família (eles dormem e você escreve). Chega de ser o melhor escritor de cartões de felicitações. Você decidiu ser um escritor profissional. Faz planos, enquanto vai rascunhando. Sonha em publicar um livro, e pensa até na capa.
Quando tem uma boa quantidade de textos, começa a pedir aos filhos para digitá-los, pois deseja enviá-los para uma editora. E, eles vão adiando esse dia, porque são muito ocupados. Coisas de jovens - hoje tem uma festa, amanhã um cinema, um passeio... Quando você começa a procurar nos classificados alguém para digitar seus textos, um de seus filhos, bondosamente, decide ensiná-lo a mexer no computador.
A primeira aula é rápida. Bem depressa ele diz: "Nesse botão aqui você liga e..." E, cinco minutos depois, você está sozinho diante do computador, tentando lembrar tudo que ouviu. "Agora, tenho que clicar aqui". Só que o mouse, que atende aos comandos de seus filhos com tanta rapidez, não lhe obedece. Até conseguir colocar no lugar certo aquela setinha, que dança descontrolada na tela, são necessárias muitas horas de treino.
A segunda aula é bem mais difícil. Seu filho decide que você precisa digitar mais rápido. Entra em um chat e lhe abandona numa sala de sexo virtual, onde pouco se conversa mas, em compensação, tem cada imagem... E, isso lhe obriga a cobrir a tela com uma almofada, sempre que a empregada passa por perto.
Na terceira aula, você está mais independente e, no chat, escolhe uma sala para pessoas acima de cinquenta anos. Uma turma muito mais calma! Só que suas dúvidas vão crescendo, e ninguém da sua casa tem tempo para responder suas perguntas. Quando você comunica que vai entrar em um curso de informática, os familiares se revoltam: - Por que pagar, se está aprendendo de graça?
Aprendendo? Que ironia! Você está se afogando em dúvidas. Ler os livros de informática dos filhos, de início, é quase impossível. Os nomes são complicados, e a maioria em inglês - língua que desaprendeu, mesmo tendo feito muitos anos de Cultura Inglesa, na adolescência. A turma de amigos que fez no bate-papo, até ajuda a esclarecer algumas dúvidas, mas cria outras.
Sua dedicação às aulas de informática surpreende os conhecidos. A família, de início, fica quieta, achando que a febre vai passar.
Para aprimorar a poesia e a prosa, você entra para grupos de oficina literária na internet. Seus poemas começam a ser publicadas em blogs de amigos. Cada e-mail que chega, comunicando que um poema ou texto está publicado, é motivo de comemorações. Os amigos virtuais enviam felicitações, comentam, criticam, fazem a maior festa, e a família continua esperando a fase passar.
Um dia, enviar colaborações começa a ser pouco. O desejo de ter um blog surge, e você pede ajuda ao filho "entendido" em informática. E ele sai de fininho, se faz de desentendido, aumentando seu desejo de criar um blog. Só que, agora, sem ajuda.
A busca por informações, faz com que sua lista de sites favoritos e seu arquivo de imagens cresçam. E, quando todos acham que anda muito quieto, você anuncia que seu blog ficou pronto.
De início, para "ver para crer", a família dá uma "olhadinha". E, quando indaga se gostaram, você recebe como resposta aquele famoso: "Hum! Hum!", que não diz absolutamente nada, ou revela uma ponta de inveja. E os amigos virtuais, agora em maior número, continuam a incentivar.
Você conhece pessoas que leram tantas vezes os seus poemas, que os reconhecem pelo estilo. No entanto, seus familiares, não sabem nem o nome do seu blog. Quando participou de um concurso na internet, recebeu muitas mensagens de amigos orgulhosos de sua classificação. Seus parentes nem perceberam que se classificou, mesmo você tendo comunicado a todos.
Por mais que tenha ouvido a frase "Santo de casa não faz milagre", jamais pensou que seus poemas deixassem sua família tão indiferente. Se você não for teimoso, persistente e seguro, é capaz até de desistir de publicar um livro. Quem não vai comprar o livro, você já sabe, então, procure fazer mais amigos, pense numa boa campanha publicitária e siga em frente.
Pensar que, nessa história, os amigos façam o papel de mocinhos, e a família o de bandidos, é um engano. Não dizer nada, fingir que não está nem aí, pode ser uma forma de dizer: "Você, agora, fica horas nesse computador e esquece de mim!"
Mas, ficar esperando apoio familiar, é parar no tempo ou retroceder. Enquanto você pensa, surge um problema que exige solução imediata, um eletrodoméstico precisa de conserto, o salário mínimo sobe e os preços também. E, o dinheiro que guardou para realizar seu sonho, evapora.
É preciso tempo para que você, a família e os amigos, se acostumem com essa mudança de papéis. Com essa quebra na rotina, que podia não ser boa, mas não assustava. Sair do limitado círculo familiar para o ilimitado mundo virtual, exige cautela e paciência. Por melhor que seja no que faz, você não é o único. Então, aguarde sua vez trabalhando muito, rascunhando sempre, poetando...
Assim falando até parece fácil mas, lutar contra a maré, exige muita fé. Se não for em um santo de verdade, fé no santo de casa, isto é, em si mesmo.
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Nota - Crônica literária (apresenta aspectos particulares de criação ou
crítica literária)
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2 comentários:
Fiquei com os olhos marejados e os pelos do braço arrepiados! ;)
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