(Outono outra vez)

 
Outono outra vez
- © Lenise M. Resende -

Quando o outono chegou, respirei aliviada. O verão tinha sido uma quentura só. E, mesmo que o outono começasse com calor e umidade, aos poucos, a temperatura iria ficando mais amena. Isso seria ótimo!

Alguns dias depois do início do outono, eu já não estava respirando muito bem. Depois de apanhar uma ventania com o corpo suado, peguei a primeira gripe da estação. Antes de ficar totalmente curada, outra ventania me fez ter uma recaída ou ter a segunda gripe da estação. Nem sei mais... Em pouco tempo, eu já desconfiava que estava com sinusite, também. A cabeça parecia que nem funcionava mais, tão grande era o mal estar. Os olhos lacrimejavam tanto que dava vontade de colocar um para-brisa nos óculos.

Quando estava trabalhando em alguma imagem no computador, só considerava o serviço pronto depois que outra pessoa desse uma olhada. Não adiantava limpar a tela do computador, lavar os óculos e colocar colírio na vista, a sensação era sempre de imagens embaçadas. Quando conversava com alguém, tinha dificuldade de acompanhar o assunto. E responder perguntas era pior ainda. Meu marido perguntava: "O que você quer que eu traga do mercado?" Eu pensava um pouco e respondia: "Traz o que você quiser!" Mas, as perguntas mais difíceis, eram as relacionadas com comida: "Esse doce está bom?" "Hum! Não sei! Não estou sentindo gosto de nada!"

Creio que nunca escovei os dentes tantas vezes seguidas, como naquele outono. E o alívio durava pouco. Havia sempre um gosto esquisito na boca. A fome se anunciava mais como uma sensação de fraqueza, de quase desmaio. E, aí, o gosto da comida era o menos importante. Os melhores alimentos eram os líquidos e os pastosos. Ainda bem que gosto de sopa e sou apaixonada por purê de batata. Essa dieta quase hospitalar, me fez adquirir um hábito trazido pelos jovens daqui de casa - a caneca de louça. Assim, eu que implicava com elas, escolhi a maior de todas para mim. É uma delícia, tomar uma sopa quente bem devagarzinho, enquanto se esquenta as mãos colocadas ao redor da caneca.

Outro hábito, adquirido num outono bem distante, foi o uso do edredom, como substituto do cobertor. Lembro que eu havia ficado noiva e recebi dois cobertores de presente: um de solteiro, na cor salmão, e outro de casal, vermelho e bem felpudo. O de solteiro, ainda cheguei a usar por algum tempo, até descobrir que tinha alergia respiratória. Como meu futuro marido tinha o mesmo problema, compramos o primeiro dos muitos edredons que já tivemos. Naquela época, edredom era artigo raro e de luxo. Hoje, felizmente, é um hábito nacional, pois meus filhos também tem alergia respiratória.

Numa família de pessoas alérgicas, os cuidados para manter os alérgenos inaláveis sob controle vira rotina. Nada de tapetes, cortinas somente as que possam ser lavadas, chão que possa ser limpo com pano úmido, etc., etc. Com o tempo, a pessoa alérgica chega a achar que já leu tudo sobre o assunto. Foi o que pensei, até ler um artigo do Dr. João Curvo, intitulado "O outono, os pulmões, a justiça e a tristeza".

Na parte inicial, ele mostra como o calor e a umidade do outono nos deixam vulneráveis às afecções respiratórias. E associados ao vento (quente ou frio), que desestabiliza nosso equilíbrio energético, podem provocar gripe, sinusite, faringite, tosse, bronquite, otite e paralisia facial. Em seguida, fala do outono como a época de limpar o jardim, eliminando as ervas daninhas. E, por analogia, como a época de limpar a própria vida, verificar o que deve sair e o que deve permanecer, sejam hábitos, sentimentos ou relacionamentos. Na China, ele diz, o Ministério da Justiça é conhecido como Ministério do Outono e, as sentenças mais duras, eram amadurecidas no outono.

Lendo esse artigo, entrei no túnel do tempo e, encontrei um grande número de outonos passados, onde ocorreram momentos marcantes na minha vida. Foi um reencontro doloroso e triste mas, como não sou fatalista, guardei as informações e as recordações e segui em frente. Até que um dia, meses depois, abatida com os sintomas de uma gripe, me espantei ao ouvir uma das chamadas do jornal na televisão: "Hoje, vinte de março, inicia-se o outono!" E, as pessoas que estavam ao meu lado, também se espantaram, ao me ouvir exclamar: - Puxa vida! Tenho tantas coisas para fazer e já é outono outra vez!

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Nota - Crônica jornalística (apresenta aspectos particulares de notícias ou fatos cotidianos)
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