O temporário e o permanente
- © Lenise M. Resende -
Desde que comecei a fazer tratamento para depressão, o maior
tempo em que permaneci afastada, foi por motivo financeiro. O que fez com que eu
ficasse sem plano de saúde, e me afastasse também do consultório de outros
médicos, e do dentista. Por isso, na minha visão, não foi uma desistência do
tratamento, mas um adiamento.
Só opta pela desistência, aquele que sabe ter a capacidade de
obter o que deseja. Uma desistência temporária só adia uma conquista. Quem se
sente incapaz nem tenta, pois se imagina fracassando.
Em geral, qualquer adiamento costuma ser visto como uma
desistência definitiva. Sabendo que a pessoa deu um tempo num tratamento, muitos
se apressam em rotulá-la como desistente. Porém, na hora em que ela retorna, se
esquecem de arrancar esse rótulo. Esquecem, também, que dar um tempo pode ser
positivo. Até um bom nadador pode-se permitir boiar por algum tempo, só para
descansar, para recuperar o fôlego.
Mesmo que a pessoa se esforce, mudando para melhor, as
opiniões dificilmente mudam. E o discurso de que todos tem o direito de mudar,
torna-se vazio, quando lembramos que ninguém tem o dever de atualizar suas
opiniões, o que pode causar frustração em quem esperava ver seu esforço
reconhecido. Se direitos e deveres fossem distribuídos com igualdade, as pessoas
prestariam mais atenção nas outras, ou, então, ao que falam. Mas até as pessoas
mais atentas tem seus momentos de descuido. E, mesmo que não seja fácil
apontar-lhes a distração, muitas vezes é necessário.
Alguns sentimentos como a confiança e a amizade, costumam se
alimentar de gestos, atitudes e palavras, algumas vezes tão diminutos quanto os
grãos de areia de uma imensa praia. Mas, a desconfiança e a hostilidade, também
se alimentam de pequenos gestos, atitudes e palavras. Por isso, quando um grão
de areia entra no meu sapato e me incomoda, prefiro tomar logo uma
atitude.
Há alguns meses, retomei meu tratamento, e me descobri
mudada. Eu, que era quase muda, me transformei numa pessoa falante. E, o melhor
de tudo, foi descobrir que a mudança não ocorreu só na quantidade de palavras,
mas, também, na qualidade. Estou me expressando melhor, e estou mais corajosa,
assumindo mais rapidamente os agrados e desagrados.
E, sobre mudanças, repito aqui, o que escrevi anteriormente
na crônica "Que Venha o Novo!": Algumas mudanças já começaram a acontecer,
estimulando a ocorrência de outras, mas essa imprecisão em relação ao resultado
não me assusta.
* * *
Nota - Crônica filosófica (reflexão a partir de um fato ou evento)
* * *
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